E então o príncipe encantado resolvera fazer uma longa estada nas geleiras no Norte. E talvez não voltasse nunca, congelaria por lá e alimentaria a fome dos cães brancos e ursos equilibristas. E seria assim pra sempre, tudo sempre frio. E ela sem meias, esperando aquele que nunca iria voltar. Agora, com 44 anos, logo com 88, breve 176, óbvio tudo força do exagero incomensurável de quem se encontra à beira da solteirice eterna.
Quarenta e quatro carnavais, que logo seriam mais 23, vinte e três carnavais contornados em preto-e-branco. Um todo sem cor. E, de novo, era terça-feira e ela estava sozinha. E ela sabe que está sozinha e até pensa que nem seria bom não se estar sozinha, porque aí seria bom estar sozinha e não ter que dar satisfações e atenções. A única coisa boa de verdade era poder ser quem se quisesse ser, guando se quisesse ser. E nesta terça-feira ela era a tiazona, solteirona, sem meias, com pijamas pensando no príncipe encantado. E assim era bom.
Até porque príncipe encantado não existe, então, provavelmente ela não pensava em nada. E o nada é tão nada, como a “História sem Fim”, sabe? N-A-D-A! E dessa vez nem havia guerreiros e cachorros voadores pra salvar Fantasia do assustador NADA! O pior do estado em que ela se encontra é não estar em estado algum, é
somente estar…esperando. Eternamente. Aquela espera. E logo seriam 176, óbvio. Porque todos sabem que os príncipes encantados morrem nas geleiras, e na verdade eles nem existem. Só porque ela queria o rapaz da novela das seis… o rapazinho dos filmes… ou aquele do sonho que ela sabe que existe, mas nem sabe onde procurar. Mas até me arrisco a pensar que ultimamente ela considera até mesmo a possibilidade de apenas ter alguém para ligar naquele momento. Só pra dizer que sente falta, alguém pra ela escrever uma carta ou mandar um ‘whats’.
E a única verdade maior é que roubaram sua capacidade de sentir estrelas e tudo se tornou matéria e vento. Superficial e passageiro. Nada permanecia e o que pretendia permanecer era indesejado. Onde mesmo ela havia deixado o carinho e a afeição? Acho que perdeu por aí, no meio das dores e do serviço, do estudo e do “estou ocupa- da.
A vontade era de se trancar pra sempre num lugar onde não pudesse sair. Para se manter isolada da civilização e da vontade de ter alguém. A tia, solteirona, impaciente e triste. Era ela. Bem assim. A figura azul e crua, triste e fria. E o que seria civilidade afinal? O que seria… CONvi- ver? Nem lembrava mais, fazia tanto tempo, que o tempo apagou essas lembranças.
(texto originalmente publicado na coletânea do Clirc, 2006)